Djinho Barbosa: “Trás di Son ê dedicadu pa silencio di alma”
Como pedra atirada a um charco, “Trás di Son”, o primeiro disco de Djinho Barbosa, está a causar sensação desde que lançou o disco no mês passado.
Nesta entrevista ao asemanaonline, o músico desvenda a motivação, a génese e os meandros ainda desconhecidos do grande público que inspiraram-no a embarcar nesta ousada aventura de tentar criar uma nova música cabo-verdiana.
Entrevista por: Teresa Sofia Fortes
Djinho Barbosa és um músico da geração de 80, que co-fundou o conjunto Abel Djassi, integrou o grupo Finaçon e, mais recente, o Quarteto em Si. Entretanto, só agora, ano de 2006, editas um disco em nome próprio. Porquê, quando artistas mais jovens já tens um ou dois trabalhos no mercado?
Eu nunca tive na ideia gravar um CD. Trás di Son é um projecto que surgiu graças ao incentivo de três pessoas: meus irmãos de som e de peito Lalitcha e Calú Santos e posteriormente o grande empurrão do Paulino Vieira. Os primeiros, que vinham de vez em quando à minha casa, ouviam os temas e diziam-me sempre que devia dividir com mais pessoas os "sons"... Ao Paulino mostrei dois temas, penso que gostou, convidei-o para cantar, aceitou. Tudo isso me fez acreditar que realmente podia e/ou devia gravar. Depois foram outros momentos, como por exemplo meu filho Andy que durante esta fase de preparação já sabia todas as letras e todas as melodias...
Trás di Son é um disco que traz coladeira, morna, mazurka, batuco, funaná mas não é um disco tradicional, no sentido restrito da palavra. Qual o elemento diferencial, a orquestração, o estilo e a experiência diferenciados dos músicos que colaboram no álbum?
De facto, não é um disco de folclore. Penso que acaba sendo o nosso som ilhéu, nosso, mas também reclama pela universalidade. O som que cada um carrega é também resultado dos lugares onde estivemos, as pessoas com as quais estivemos e, claro, das músicas que ouvimos. Pessoalmente, tive a sorte de viver em lugares que me permitiram sentir muita música. Assim, acho que se há um elemento diferencial, não passa da combinação da vivência em Santiago, Cabo Verde e em outros lados.
O título do disco - Trás di Son - é a tradução da essência do disco? Ou seja, este é um CD de novas sonoridades, frutos das influências que Djinho Barbosa foi bebendo e das experiências que foi ousando ao longo dos anos?
Trás di Son é, como pode sugerir o nome, a procura de sons, como também procurar seguir sons. Os dois constituem, a meu ver exercícios ou desafios muito interessantes...e dolorosos.. Lembro-me, por exemplo que, às vezes, fico a procurar umas "coisas" no violão. A minha mãe, quando me escuta nesses momentos, diz: "Tu nunca tocas uma música do início ao fim"... O meu interesse estava apenas naquele pedaço de som.
Excluindo uma composição (letra) de Princesito e quatro, se não me engano, do Kaká Barbosa, a poesia das 16 músicas de Trás di Son são da autoria de Djinho Barbosa. São criações de há muito tempo ou recentes?
São músicas com alguma idade. Grande parte das letras e músicas surgiram quando estava nos Estados Unidos, entre 1994 e 1998. A música Mindel Mindel, era um instrumental, mas achei que devia celebrar a primeira parceria com meu irmão Kaká e assim fizemos a letra em 2005. Son Kompiladu, música e letra surgiram em 2005, enquanto trabalhava à noite na Câmara do Sal.
Olhando para as letras, fica a sensação de que a terra natal - que é a ilha de Santiago, as cidades de Assomada, Praia e Cabo Verde, no geral -, está entranhada em Djinho Barbosa e que Djinho Barbosa está, por seu lado, com o coração enterrado nesta terra que tanto tem de belo como de ingrato. Concorda?
Sou cabo-verdiano, nascido em Assomada, um espaço especial deste país que já marcou uma época em termos culturais, e que gerou artistas vários. Por exemplo, Norberto Tavares, Caló Querido, Kaká Barbosa e outros que marcaram uma influência forte na nossa juventude em Assomada. Todos nós somos temperados pelo coração destas ilhas. E a música tem um papel determinante no nosso espaço ilhéu. Talvez seja a música até a equilibrar entre o belo e o ingrato. Já pensou Cabo Verde sem música, era uma outra desgraça...
Do talento e da importância de Abílio Duarte e Manuel d’ Novas para a cultura cabo-verdiana ninguém dúvida. Mas, aqui vai a pergunta: por que homenagear estes dois poetas da alma cabo-verdiana?
Bem, em relação a Abílio Duarte, tive o privilégio de ter uma relação muito próxima sobretudo em se tratando de música. Abílio Duarte me procurou numa altura em que ele precisava registar as suas músicas. Foi nessa altura que realmente passei a conhecer o seu lado de compositor. Ele me pediu para tocar as músicas de forma a apresentar o material na sociedade de autores, se não me engano, em França. Zeca Couto também ajudou, sobretudo na escrita das partituras. Aproveitamos ainda nesta altura para gravar, a música Caminho de São Tomé, que foi cantada pela voz doce de Arlinda Santos, muito amiga do Abílio Duarte. Uns tempos depois, fizemos uma parceria, um instrumental em que Abílio Duarte cria uma melodia bonita e me pede para "misturar" a coladeira, o funaná, uma coisa que segundo ele daria "a ideia de muita folia e muita alegria"... Depois da sua morte, lembrei-me de uma frase que ele dizia: "precisamos de um fluído novo na música cabo-verdiana"... Assim, fiz um dia "Un zibiu pa Abilio Duarte". Hoje fico feliz, ouvindo as interpretações na voz de Albertino e da arrepiante Annie, voz da nossa Assomada que vai dar que falar... Em relação a Manuel d’Novas, a composição é de Kaká Barbosa. Eu apenas fiz os arranjos, pedi-lhe apenas para tratar a música como entendesse. Apesar de ser uma morna, não meti cavaquinho, usei tanto o violão como o piano de forma diferente. O baixo ficou a cargo do Russo, que é uma autoridade nesta matéria. Usando a grande capacidade rítmica do Kim Alves, colocamos uma bateria que, a meu ver, deu uma outra graça à musica. O Manuel d’Novas, pôs a claro a alma cabo-verdiana através da música. Pessoalmente, considero a música "Biografia de um Crioulo" um hino à Cabo-verdianidade.
Djinho Barbosa, estendes a homenagem à tua mãe, D. Maria da Graça Barbosa. É um gesto de tributo ao esforço e dedicação que ela aplicou na sua formação como homem e cidadão?
Obrigada pela pergunta. A minha mãe é uma cabo-verdiana que merece muitas músicas. Eu apenas fiz "Bu Encantu", uma música que penso retrata o que ela significa para mim e para a minha família. É uma mulher que ao longo da vida foi sempre firme, com ternura para connosco, uma alma azul e com encantos...diz tudo. Depois tive a felicidade e a sorte de ter o dueto Paulino e Albertino a dizer o poema...
Teve a sua mãe algum género de influência na tua opção pela música? E o seu pai?
Os dois lados da minha família têm muito presente a música. A minha mãe sempre nos falou do violino que havia em casa da família, na ilha do Fogo, dos bailes e festas com muita música e das vezes em que cantava. Meu Pai também teve alguma experiência com música. Talvez, por isso, na nossa casa em Assomada nunca tenha faltado instrumentos. A música acontece de forma natural. Meu Pai é primo irmão do pai do Kim Alves, Tio Djonsinho. Portanto a música vem de longe...
Cometeu a ousadia de reunir neste seu disco de estreia a solo um grupo de 35 artistas, de estilos e gerações tão diferentes quanto se pode encontrar no panorama musical cabo-verdiano. Qual era a sua intenção ao “convocar” músicos como Kaká Barbosa, Paulino Vieira, Nhelas Spencer, Russo Bettencourt, Sanna “Peppers”, Kim Alves, Chando Graciosa, Adão Brito, Princesito, Gamal, Kim Alves, Djodji ....
A intenção era juntar músicos para sairmos "Trás di Son"...
Trás di Son parece também uma reunião de amigos, do Abel Djassi e de outras andanças musicais, não é?
Depois de me encher de coragem para gravar, o passo seguinte era exactamente conseguir esta reunião. Nunca pensei em entrar no estúdio e gravar as músicas de qualquer forma. O projecto Trás di Son devia significar algo mais do que um CD. Afinal de contas, podia-se contar ou retomar uma história. Convidei todos os meus colegas do Abel Djassi, do Finaçon, do Quarteto em Si, convidei vários músicos que tiveram uma influência particular em mim e na minha geração, caso de Zeca Couto, Russo, e convidei ainda a nova geração de músicos. Achei que só ia conseguir algum "som" caso juntasse todos. Penso que de alguma forma conseguimos.
- Kaká Barbosa escreve sobre o disco que “Trás di Son é um sopro d’alma na linha do tempo, inédito e sedutor, uma tónica a comprovar a eficácia e a força comunicativa da cientificidade, um tom a evidenciar como a interligar o tradicional e a modernidade”. É esse feedback que, até aqui, quase dois meses depois do lançamento, tem recebido do público? - Realmente, tenho tido uma reacção muito boa das pessoas que ouviram o "som". Sobretudo pela diversidade que as músicas representam.
Aliás, para si, quem é o público alvo deste Trás di Son?
O público alvo é aquele que resolver reservar uma hora e quinze minutos para sair "Trás di Son"...
Este disco é a síntese dos cerca de 20 anos de carreira de Djinho Barbosa ou o prelúdio de uma nova fase dessa vida dedicada à música?
A música para mim acontece em alguns momentos, são alguns impulsos... Como ficou dito no CD, "Trás di Son" ê dedicadu pa silencio di alma...gostaria de entrar em mais um longo período de silêncio. Há muita música no silêncio ... Bem, gostaria de agradecer a todos aqueles que tornaram o projecto possível, patrocinadores, amigos e sobretudo os músicos que saíram comigo "Trás di Son"...
Entrevista feita por Teresa Sofia
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