“Trás di Son”
Quando o silêncio gera música
Cada imagem encerra, no seu silêncio, um som que apenas a sensibilidade dos artistas consegue extrair. Djinho Barbosa é um desses descodificadores de sonoridades que entram pela retina sob a forma de imagem. Três anos depois de começar a “colar” os “pedacinhos de música” que lhe vão surgindo no dia-a-dia, o músico apresenta na primeira semana de Março “Trás di Son”, um disco em que reúne numa enorme celebração do som alguns dos mestres e artistas que lhe marcaram o percurso musical.
No princípio era o silêncio. Depois surgiram as imagens e, com elas, a música. Embora o método da criação não tenha sido exactamente assim, pelo menos esta é a “ordem das coisas” no processo criativo de Djinho Barbosa. Como diz o músico, para ele “existe o silêncio; tudo o mais parte dele”.
Foi assim que, entre silêncios e imagens, que o músico deu corpo a um projecto que agora está pronto a ver a luz do dia. “Trás di Son”, assim se chama, é um disco cozinhado ao longo dos três últimos anos, que acima de tudo pretende prestar tributo aos muitos músicos que o influenciaram artisticamente. E para tal, nada melhor que congregar alguns desses mestres neste projecto que agora nasce.
A plêiade de 35 artistas que assinam este trabalho é de peso. Nela encontramos nomes de várias gerações como os de Kaká Barbosa, Paulino Vieira, Russo Bettencourt, Nhelas Spencer, Sanna “Peppers”, Kim Alves, Carlos Modesto, Chando Graciosa e Adão Brito, ou os de Gamal, Princesito, Tó Alves e Djodji TC. A estes artistas com raíz bem fincada no mundo da música cabo-verdiana juntam-se outros a quem Djinho chama de “anónimos”. São músicos que nunca gravaram nem subiram a grandes palcos, mas cujas potencialidades cantam e tocam por si. Abram alas então a Ilídio Baleno e Annie (dois nomes destes “anónimos”), alguns destes ilustres desconhecidos a que Djinho Barbosa deu a oportunidade de saltarem para as luzes da ribalta.
O resultado destes diálogos cruzados são dezasseis músicas com uma certa “profundidade de campo”, se assim se puder chamar. É que, ao longo das várias faixas há, talvez pela riqueza dos arranjos sonoros e pelas várias sobreposições de instrumentos e vozes, um fio condutor que remete para um ponto focal perdido lá no infinito.
A dar plasticidade a este trabalho de Djinho está também a técnica de colagem – de sons, entenda-se. É que, como revela, as músicas surgem-lhe através de sons que vai captando aqui e ali, geralmente instigados por imagens que lhe passam diante dos olhos, no dia a dia. É nesta união dos “pedacinhos de sons” que vai resgatando aos estímulos imagéticos que lhe entram pela retina, o músico constrói a sua música.
A primeira música do disco, “Un Batuku Xatiadu Si”, é um exemplo deste tomar pequenos elementos já existentes em mãos para, a partir deles, criar algo novo. Nesta faixa Djinho inspirou-se nos picos melódicos do chamado “choro da morte” para daí desenvolver um ensaio em torno do “batuku”. É um “beat” diferente, sem tchabeta, que vai ao encontro da intenção do músico de apresentar um trabalho, se não inovador – “a inovação é extremamente difícil de atingir”, diz -, pelo menos diferente. Esta intencionalidade, aliás, é extensível às outras faixas do disco, como o prova, por exemplo, a morna dedicada a Manuel de Novas, em que um jogo de baixo, guitarra, bateria e de floreados de piano substitui o “clássico” pelo “moderno”, sem lhe retirar a identidade, no entanto. A dar a tónica a estas conversas imprevistas está a espontaneidade com que os sons se soltam. Porque afinal, observa Djinho enquanto escuta o improviso da guitarra de Kim Alves em “Topada na Mazurka”, “é nestes momentos que a música acontece”.
Embora inclua coladeiras, mornas, mazurkas ou batuques, “Trás di Son” não é um disco de folclore, nem o pretende ser. Até porque, para além destes estilos cabo-verdianos, aborda ainda o reggae, samba, e outros géneros universais.
O disco deverá ser lançado na primeira semana de Março. Por enquanto, resta agora ao público aguardar por este trabalho de corte e costura de sons. E que o silêncio esteja convosco.
Fonte: Pedro Miguel Cardoso em Asemana